O mês de julho de 2020, o mais letal da pandemia de coronavírus no Rio Grande do Sul, registrou menos mortes totais em comparação com o mesmo período dos dois anos anteriores. Foram 9.191 óbitos, considerando todas as causas, em julho de 2020. Em 2018 e 2019, mesmo sem a pandemia, os números foram superiores, alcançando 9.287 e 9.520 pessoas no Estado.
A estatística gaúcha, de redução, vai na contramão do Brasil: no país inteiro, julho de 2020 foi o mais letal da série histórica desde 2003, com 134.612 óbitos. O recorde negativo nacional, em comparação com os 119.872 mortos de 2019, foi alcançado por conta do impacto da covid-19.
Os dados dos dois últimos anos (2019 e 2020) constam no portal transparência dos Cartórios do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), e foram extraídos até as 18h desta terça-feira (18). Já as estatísticas da série histórica, entre 2003 e 2018, são disponibilizados pelo IBGE, mas a fonte primária de informação é a mesma da Arpen, ou seja, os cartórios de registros civis do Brasil.
A covid-19 foi responsável pela inclusão de 1.349 mortes nos registros cartoriais em julho de 2020 no Rio Grande do Sul — os números dos cartórios são sensivelmente superiores aos da estatística da Secretaria Estadual da Saúde porque contabilizam também as mortes por “suspeita de covid-19”. A pergunta é inevitável: se nos dois anos anteriores não existia essa doença que causou significativo incremento, como foi possível a redução das mortes totais?
A análise estratificada das causas ajuda a explicar. Houve queda generalizada de óbitos por outras enfermidades no período, sobretudo por pneumonia, com 681 registros a menos. Também reduziram óbitos por insuficiência respiratória, septicemia (infecções), acidente vascular cerebral (AVC), infarto e demais falecimentos por causas naturais, onde entram casos como câncer e diabetes, por exemplo.
Ainda caíram as mortes por causas violentas (ver quadro abaixo). Somando esses indicadores, as ocorrências em julho de 2020 representaram 1.735 óbitos a menos em comparação com 2019. A queda foi mais do que suficiente para cobrir as 1.349 mortes por covid-19.
Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Eduardo Trindade confirma a constatação de redução de mortes em julho deste ano, mês de inverno que tradicionalmente se revela o mais letal no Estado em razão de doenças respiratórias. Em parte, ele atribui o fenômeno ao distanciamento social, com índices mais satisfatórios no Estado do que o observado em outras regiões do país:
— A menor circulação de pessoas propiciou menor contágio por síndromes respiratórias e outras pneumonias virais e bacterianas. As pessoas estão entrando menos em contato com os patógenos e desenvolvendo menor número de doenças respiratórias.
Para o dirigente do Cremers, a própria pandemia acabou sendo menos avassaladora no Estado, até o momento, em comparação com as regiões mais afetadas de Sudeste, Norte e Nordeste.
— Dá para concluir que o índice de mortalidade da covid-19 está menor aqui. Isso ocorre pelo distanciamento, mas também pela nossa capacidade hospitalar instalada, que já era maior do que a de outros Estados, além da qualidade das nossas UTIs — diz Trindade.
Presidente da seção gaúcha da Arpen, entidade que congrega os cartórios de registros de pessoas naturais, Sidnei Birmann avalia que a redução do número de vítimas fatais “pode ter diversas razões”.
— A principal que consideramos se refere ao isolamento social, que fez com que as pessoas saíssem menos às ruas, reduzindo a incidência de mortes por causas violentas, como acidentes de carro e homicídios — argumenta Birmann.
Ele é cauteloso ao comentar a hipótese de a pandemia de coronavírus se mostrar, até agora, menos letal no Rio Grande do Sul do que em outras regiões do país.
— Não podemos dizer que é mais branda aqui, principalmente porque ela não acabou e porque os dados que possuímos não são suficientes. O que se pode concluir no comparativo com 2019 é que outras causas respiratórias tiveram menor incidência, talvez por fatores como distanciamento, cuidados de higiene e uso de máscara — disse o dirigente.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) não comentou os dados. A pasta justificou que “não tem como avaliar, interpretar e comentar dados cuja coleta e sistematização fogem da governança da SES, ainda mais no que tange a comparativos com indicadores de criminalidade”.