Quase três meses após a notificação dos primeiros casos de toxoplasmose em Santa Maria (RS), o surto da doença no município gaúcho continua preocupando médicos e autoridades sanitárias. De março até agora, 569 pessoas tiveram diagnóstico confirmado e 312 casos estão sob investigação. Segundo o Ministério Público Federal, os números já configuram o maior surto de toxoplasmose do mundo.
O alerta maior é entre gestantes – pelo menos 50 receberam resultado positivo para a doença e 145 apresentaram sintomas e também estão sendo investigadas. Além disso, cinco abortos espontâneos provocados pela infecção foram contabilizados. A toxoplasmose é transmitida ao feto pela mãe e, quando não provoca a morte do bebê, causa efeitos permanentes à criança, como cegueira e comprometimento neurológico.
Infectologistas e a própria Secretaria de Saúde do município cobram do governo federal mais apoio financeiro. No Hospital Universitário de Santa Maria, onde a maior parte dos pacientes, incluindo gestantes infectadas com toxoplasmose, recebe atendimento, faltam insumos, remédios e testes diagnósticos capazes de confirmar laboratorialmente a doença – etapa fundamental para o início do tratamento.
“Ouço muito falar em gestão. Mas será que tem como fazer gestão com tão pouco orçamento? Tem. Tem como fazer gestão com pouco orçamento. Mas e quando há um imprevisto? A gente precisa de reforço nesse orçamento”, avaliou a secretária de Saúde de Santa Maria, Liliane Mello Duarte, durante audiência pública hoje (28) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado. “Viemos pedir apoio. O ministério participou da investigação a partir do dia 26 [de abril], está participando de forma importante, mas nós precisamos de mais.”
Ausência de protocolo
Outro problema é que, em meio às centenas de casos de infecção confirmados na cidade, profissionais de saúde não contam com o chamado Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para a doença. O documento estabeleceria critérios claros de diagnóstico e tratamento da toxoplasmose, com as doses adequadas de medicamentos e os mecanismos para monitoramento clínico.
Infectologista há 20 anos, Alexandre Schwarzbold participou da audiência pública via videoconferência e disse estar acostumado a ver casos de toxoplasmose. Ele garante, entretanto, que o surto em Santa Maria apresenta particularidades importantes e grande impacto social, já que a doença apresenta alto índice de mortalidade entre crianças pequenas e recém-nascidos.
“Estamos diante de uma situação ambiental não documentada”, disse, ao se referir à possibilidade de a fonte do surto estar ligada à água e alimentos contaminados e ofertados no próprio município. “Isso serve de modelo de oportunidade para que o ministério estabeleça um protocolo pra essa doença, um protocolo amplo, desde prevenção, insumos diagnósticos e disponibilização de medicamentos.”