Após cinco meses de tensão, com registros de grave violência e até homicídios, os moradores do pequeno município de Benjamin Constant do Sul, distante cerca de 130 km de Passo Fundo, devem voltar a conviver em harmonia. Isso porque uma forte ação policial foi realizada na manhã dessa quinta-feira (02), na Reserva do Votouro, com objetivo de prender os responsáveis por causar o pânico na pequena cidade do interior e localizar o armamento utilizado pelo grupo, nas sequentes ações de hostilidade que vinham praticando.
Coordenada pela Polícia Federal, a operação “Terra Sem Lei” prendeu quatro pessoas, incluindo o cacique, Eliseu Garcia. O líder da comunidade não foi encontrado no início da manhã, mas se entregou mais tarde, às forças policiais. Outros 10 indígenas, não foram encontrados na área de aproximadamente três mil hectares, e estão em situação de foragido. Embora relatos dos moradores e testemunhas sobre o grande número de armas, até o fechamento desta edição, apenas uma espingarda havia sido encontrada no local, até o fechamento desta edição.
A intervenção policial contou com apoio do 3º Batalhão de Operações Especiais (BOE) e do Exército de Ijuí, como consequência de uma investigação que apurou a autoria de dois homicídios: de um indígena de 22 anos, no último mês de março, e de outro jovem de 21 anos, não indígena, assassinado por engano em uma emboscada, dois meses após a primeira morte, conforme contou a reportagem da Uirapuru, com exclusividade, no início do mês passado.
O trabalho da polícia também identificou os responsáveis por prender moradores da aldeia e, até mesmo, o prefeito da cidade, Itacir Hochmann, no “Boi Preto”, uma cadeia clandestina, construída pelos indígenas. Além de trancado na cela, o líder político foi vítima de grave violência, inclusive, com requintes de tortura. “Não se admite que uma pessoa, seja ela indígena ou não, fique presa sem processo e sem autorização judicial, só porque o cacique quer. Esse grupo responsável vai ser fortemente penalizado por isso”, enfatiza o delegado de Polícia Federal, Mauro Vinícius Soares de Moraes.
Ordem e tranquilidade
A operação policial, conforme o delegado, é um marco em relação às buscas e prisões, mas a finalidade do trabalho tem uma pretensão ainda maior: “Vamos estar voltados para essa atividade, até trazer para a Região Norte do estado, em todas as comunidades indígenas que estão se valendo de violência, a normalidade. As instituições policiais que estão aqui hoje, buscam a tranquilidade, a paz e que todo mundo respeite a lei vigente. Afinal, a lei é para todos, independente de ser ou não índio”, comenta.
Motivados por disputa de poder, já que o cacique gerencia todo o dinheiro adquirido com o arrendamento das terras da União e redistribui apenas a uma parcela de moradores, os conflitos registrados na região Norte são inéditos no país, segundo o Chefe de Serviços de Repressão Contra Comunidades Indígenas, delegado federal Luiz Carlos Ramos Porto. “Em nove anos que trabalho nesse setor, na Polícia Federal, nunca vi um problema de tamanho magnitude.
O conflito criou um nível descontrolado e sem precedentes de violência, que começou afetar o município como um todo, baseado em um problema interno da comunidade e que demandou providências de forma imediata”, diz.
Para Porto, a situação vivenciada na área de jurisdição da Delegacia de Polícia Federal de Passo Fundo é bastante peculiar e muito mais complexa do que de outras regiões. “Porque você tem que estar dentro da comunidade, que tem mais de mil componentes. Tem que ser feita uma mobilização de efetivo, o que torna mais difícil realizar a apuração. Em geral, as lideranças dominam muito, o que torna mais difícil ainda conseguir testemunhas, obter informações e essas pessoas, embora não aceitem a violência que sofrem, acabam sendo coagidas a não combatê-la, o que as torna reféns”, esclarece.
Para que o resultado da ação policial seja mais eficiente, Mauro Vinícius acrescenta que se busca realizar um trabalho mais amplo, envolvendo todos os órgãos responsáveis pelas questões indígenas. “O arrendamento é ilegal, é crime e, independentemente disso, um grupo menor está se valendo e trazendo desassossego e prejuízo à comunidade como um todo. Então questões cíveis já estão sendo implementadas nesse trabalho, para que se beneficie a todos e não, apenas, um grupo específico. As terras estão disponíveis para uso da coletividade, logo, o dinheiro que se produz aqui, tem que ser dividido entre todos os indígenas”, avalia.
Refugiados
Após a morte do índio Vitor Hugo dos Santos Refey, no dia 08 de março, familiares da vítima e caingangues de oposição ao cacique se refugiam no prédio da Funai, em Passo Fundo. A direção da instituição chegou a pedir na Justiça a reintegração de posse, para que o grupo desocupasse o imóvel, e teve parecer positivo.
O prazo para que saíssem, entretanto, foi prorrogado, a fim de evitar novos desentendimentos e possíveis óbitos.
Com a operação, o grupo tem possibilidade de retornar para a terra onde nasceu e cresceu, como pretendiam desde que o confronto iniciou. De acordo com o delegado, o grupo expulso vai ser reintegrado na comunidade nos próximos dias. “Essa é uma das questões que está em nosso planejamento e, provavelmente, no início da semana que vem, vamos apoiar e auxiliar no retorno, para reinserir esse grupo no mundo que é deles”, afirma.
Detector de metais
O exército foi acionado para prestar apoio e principalmente para auxiliar nas buscas das armas. Os 30 homens, aproximadamente, trabalharam com um helicóptero de apoio e fizeram uso do aparelho detector de metais, com objetivo de encontrar possíveis objetos ocultos sob a terra. Mesmo com todo aparato, as armas longas e de grosso calibre, que se pretendia encontrar, não foram localizadas.
Origem
Contabilizando a metade dos quase 2.300 moradores da pequena cidade, os indígenas de Votouro estão instalados na área desde a década de 1960, conforme informou a Prefeitura de Benjamin Constant do Sul. Com o passar do tempo as famílias se multiplicaram, especialmente nos últimos 10 anos, quando a população indígena deixou a parcela de 5% da população para se tornar metade dos habitantes do município.
Cadeia indígena
Chamada de “Boi Preto”, a cela foi construída dentro do porão de uma igreja. De chão batido e sem sanitários, a cadeia faz parte da cultura indígena. Qualquer desobediência ou afronta às ordens da liderança termina na prisão, que pode durar horas ou longos dias.