Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) apresentam até nota fiscal de cerveja e pão de queijo para justificar despesas com diárias. Documentos obtidos pela RBS TV com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que, em 2019, a Corte desembolsou quase R$ 2 milhões com esse tipo de gasto. No ano passado, seis assessores e conselheiros do TCE ficaram na lista dos 10 servidores que mais receberam diárias, entre todos os poderes no Rio Grande do Sul.
As notas fiscais não estão disponíveis na internet. Os comprovantes mostram viagens para congressos e encontros de tribunais em cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Maceió e Foz do Iguaçu (PR), e da América do Sul. Juntos, os sete conselheiros receberam R$ 253 mil em diárias no ano passado, mas apresentaram notas que somam R$ 48 mil.
— Sem dúvida alguma, dá indício de que há complementação de ganho do seu subsidio, ou seja, no jargão comum se fala um complemento de salário — conclui o advogado gaúcho José Luiz Blaszak, especialista em direito administrativo e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT).
As notas mostram que, no ano passado, o então presidente da Corte, Iradir Pietroski, viajou para Catamarca, na Argentina, para participar de um encontro de tribunais de contas. Recebeu R$ 7,3 mil por quatro diárias e meia, mas apresentou notas de hospedagem que somam pouco mais R$ 1 mil. Participaram da mesma viagem um assessor e os conselheiros Algir Lorenzon e Marco Peixoto. O porta-voz do TCE, conselheiro-substituto Alexandre Mariotti, explica que essa diferença acontece porque, para comprovar as diárias, basta apresentar uma nota de qualquer valor, como ocorre na Assembleia Legislativa.
— No sistema de diárias, a apresentação da nota não tem a finalidade de comprovar gasto. Tem a finalidade de comprovar presença. Imagino até que os conselheiros teriam como comprovar valores maiores, mas não fazem isso porque a regra legal é que tu tens de comprovar que esteve no lugar para o qual recebeu a diária — explica Mariotti.
As diárias dos conselheiros variam de R$ 761 para viagens dentro do Estado a cerca de R$ 2 mil para deslocamentos à Europa. Mesmo assim, Mariotti diz que, às vezes, falta dinheiro para cobrir as despesas.
— Isso depende do que o conselheiro vai fazer. Tem gente que gosta, por exemplo, de almoçar melhor, tem gente que gosta de almoçar mais. Pode sobrar? Pode. Mas pode faltar — alega o porta-voz do TCE.
Os comprovantes obtidos pela reportagem mostram como 28 funcionários e conselheiros do tribunal justificaram uma viagem a Foz do Iguaçu, de uma só vez, em outubro, para participar de um encontro de tribunais de Contas. Na viagem, gastaram R$ 190 mil em diárias e passagens aéreas. O conselheiro Marco Peixoto, por exemplo, recebeu mais de R$ 6 mil, mas a nota de hotel apresentada para prestar contas é de R$ 825.
Até mesmo pequenas viagens no Estado garantem dinheiro extra aos conselheiros. Para ir a Encantado, no Vale do Taquari, e voltar no mesmo dia, Peixoto recebeu meia diária, de R$ 380. Na prestação de contas, apresentou nota de R$ 3,75, referente a um pão de queijo e uma água. Vale até ficar em hotel bem simples. Caso de uma hospedagem em Uruguaiana, na Fronteira Oeste, no dia 4 de maio. A nota, que justifica uma diária de R$ 762, é de R$ 90.
Mesmo recebendo a diária à vista, tem conselheiro parcelando em 10 vezes, no cartão, a despesa da viagem. Caso da fatura da locação de um carro, de R$ 315, usada na prestação de contas de uma diária e meia (R$ 1,6 mil) recebida pelo conselheiro Pedro Figueiredo por uma viagem a Florianópolis. Até cerveja aparece nos comprovantes, como em um bate e volta a Brasília.
Porta-voz do TCE, Mariotti não vê problemas nisso:
— Francamente, não vejo problema nisso.
O repórter questionou:
— Mas o senhor acha correto dinheiro público bancar bebida alcoólica para uma autoridade?
— Levando em conta que a gente não vive uma lei seca, bebida alcoólica é lícita, se for, por exemplo, uma cerveja. Não vejo problema nisso. Agora, se o sujeito usar diária para comprar um Château Lafite (vinho francês considerado um dos mais caros no mundo, cuja garrafa pode custar, em média, R$ 8 mil), aí eu vejo — afirmou o conselheiro.
A professora de direito administrativo da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) Michele Fernanda Martins sugere que os conselheiros deveriam ser ressarcidos apenas das despesas efetivamente gastas:
— O ideal é que comprovassem com notas fiscais os valores que foram gastos. Porque a finalidade desse dinheiro, afinal, é melhorar o serviço público, e não complementar a renda.
Já Blaszak entende que os conselheiros deveriam devolver o excedente aos cofres públicos:
— Não diz (nas normativas que regulam o pagamento das diárias) que a sobra lhe pertence. Diz que ele tem de prestar contas. Então, se tem de prestar contas e houver sobras, tem de devolver.
Os conselheiros citados na reportagem não quiseram se manifestar. Dois deles, Iradir Pietroski e Marco Peixoto, lideraram o ranking de gastos com diárias em todos os poderes, no ano passado: Pietroski recebeu R$ 75.717,73 e Peixoto, R$ 73.983,06.