Três profissionais do Hospital Nossa Senhora das Graças, de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, adaptaram respiradores mecânicos para que os aparelhos atendam mais de um paciente por vez. O aumento da capacidade dos equipamentos tem como base um estudo feito pela Universidade de Michigan, em 2006, com foco na antecipação da necessidade de assistência médica a um grande número de vítimas após eventos como o 11 de setembro de 2001.
A metodologia discutida no estudo, que já circulava na comunidade médica local antes mesmo do coronavírus se tornar uma preocupação mundial, foi analisada pelo médico Emanuel Rath Bonazina e pelos fisioterapeutas Marcio Ramos Laguna e André Hoerbe Bacchin. A preocupação do trio cresceu especialmente a partir do momento em que a curva de crescimento de contaminação do Brasil ultrapassou a da Itália, epicentro da contaminação na Europa, e pelo rigoroso inverno gaúcho que está a caminho, quando quadros de problemas respiratórios aumentam significativamente.
— Começamos a discutir na sexta-feira da semana passada, e final de semana nos dividimos para estudar — explica Bonazina, que é chefe da Urgência e Emergência do Nossa Senhora das Graças.
Os profissionais utilizaram um respirador que convencionalmente atenderia um único paciente e duplicaram seus conectores. A adaptação é feita na disposição das mangueiras — que, no respirador, tem o mesmo papel da traqueia do paciente. Transformada em um Y, uma mangueira é duplicada nas pontas e faz inspiração pelos dois pacientes em um ponta e expiração para os dois pacientes em outra. Este sistema permite adaptar até quatro pacientes em um aparelho, em caso de necessidade extrema.
— Com duas conexões, é possível obter um padrão respiratório bom, mantendo uma troca gasosa relativamente adequada, perto do ideal para o ser humano — diz Bonazina.
Para que a performance da adaptação seja ainda mais efetiva, é importante que os pacientes que dividirem o mesmo aparelho tenham dinâmica respiratória e porte físico semelhante: peso e altura.
— Se eu colocar dois pacientes no mesmo respirador com níveis de respiração distintos, terei que optar por manter o paciente que está com respiração mais leve. Pois se eu colocá-lo junto com um paciente mais grave, posso agravar o outro, pois vou gerar mais esforço para ele. Terei de igualar os dois.
Bonazina reforça que esta é uma técnica de uso temporário, disponível para o momento em que não houver mais respiradores disponíveis:
— Isso foi algo desenvolvido para situações de guerra. Com o avanço do coronavírus dessa forma e o risco de começar a faltar equipamentos, voltou à tona a discussão desse recurso. Se chegarmos ao extremo aqui, teremos como atender — garante Bonazina.
Nos casos mais graves de infecções por covid-19, não é possível utilizar ventilação de forma manual, porque isso liberaria aerossóis que contaminariam equipes médicas e os ambientes hospitalares. Seria como se o paciente estivesse espirrando ou tossindo, sem qualquer proteção. Por isso, os aparelhos de ventilação são imprescindíveis nas evoluções mais severas da doença.
— Estes aparelhos têm um sistema fechado, tanto de inspiração quanto de expiração. A pessoa fica entubada — explica.
A divisão de um aparelho para quatro pessoas será utilizada apenas um cenário em que o hospital receber, ao mesmo tempo, diversos pacientes com risco de vida. O médico afirma que é “tecnicamente possível, mas não é o recomendado”.
— Se tivermos só 10 respiradores e recebermos entre 30 e 35 pacientes graves, teremos que optar por esta respiração parcial para que se mantenha-os vivos e respirando. Esperamos que não seja necessário.
O Hospital Nossa Senhora das Graças possui 16 respiradores e é a instituição de retaguarda no atendimento a pacientes com coronavírus em Canoas. A referência para a doença na cidade é o Hospital Universitário da Ulbra. Até o final da manhã desta terça-feira (24), o Nossa Senhora das Graças não tinha nenhum paciente com covid-19 internado na UTI.
Presidente da Associação Beneficente São Miguel, entidade responsável pela gestão do Nossa Senhora das Graças, Rafael França, afirma que já começaram as obras de construção de um hospital de campanha no estacionamento da instituição: serão dez leitos de internação e dois semi-intensivos.
O avanço da doença tem gerado um clima de colaboração entre os médicos, garante Bonazina:
— Estamos com um plano de chamar os colegas que não têm tanto traquejo com pacientes mais graves para que eles comecem a trabalhar com pacientes que têm de ser entubados, por exemplo. Eles estão sendo convidados para atuarem na sala vermelha para que possam ser capacitados. A grande maioria de nós vai se contaminar uma hora ou outra e terá que se afastar. Nosso grande medo é que o pessoal se afaste todo ao mesmo tempo, por isso a necessidade de treinamento de todos.